segunda-feira, outubro 08, 2007

O cinema manda

Autores vendem para estúdios de cinema direitos de filmagem de livros que ainda nem foram escritos

LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL


Há quem diga que adaptações para o cinema costumam estragar livros, principalmente por mostrar na tela personagens e cenas que antes só existiam na imaginação do leitor.
Mas a interferência do cinema na literatura tem sido bem mais poderosa do que se imaginava, capaz até de formar uma geração de autores que já escreve um livro com a intenção de vê-lo em breve na telona.
Há casos de livros que ainda nem chegaram às lojas e já saem da gráfica com um roteiro em fase de produção, muitas vezes feito pelo próprio autor.
O escritor americano Scott Smith teve seu livro de estréia, "Um Plano Simples", adaptado para o cinema pelo diretor Sam Raimi (o mesmo de "Homem-Aranha"). Autor também do roteiro adaptado desse divertido thriller, Scott foi indicado ao Oscar pelo trabalho em 1993.
Depois disso, ele levou quase 15 anos para escrever uma nova ficção. Lançada neste ano, "As Ruínas" conta a história de dois casais americanos que se vêem em apuros após uma aventura inconseqüente em um sítio arqueológico no México.
E, bem antes de terminado, "As Ruínas" já estava garantido para o cinema. "O livro foi escolhido por Ben Stiller [ator e diretor] para virar filme enquanto tinha somente dois terços prontos. Portanto, pelo menos no último terço, eu estava bem consciente de que eu eventualmente teria de adaptá-lo."
E como Ben Stiller tinha tanta certeza de que "As Ruínas" daria uma boa história para o cinema, uma vez que o livro nem pronto estava? "Faço trabalhos na produtora de Ben, a Red Hour, há muitos anos. Eu lhe entreguei um pequeno resumo do final da história, e ele baseou sua decisão nele. Acho que aquilo foi suficiente."
Questionado sobre uma perda de interesse dos leitores após a estréia do filme (prevista para 2008), Scott defende que a maioria das pessoas acha que ler um livro e ver um filme são experiências diferentes. "Aqui nos EUA, por exemplo, livros freqüentemente entram nas listas de mais vendidos após estrearem no cinema", defende.
Nem sempre. Um dos maiores sucessos literários de todos os tempos, "O Código da Vinci", de Dan Brown, viu suas vendas diminuírem bastante após a estréia de sua adaptação.

Aventura para cinema
O jovem escritor americano Christopher Paolini é outro que sofreu influência do cinema. Mal terminou o último livro de sua trilogia sobre um garoto e seu dragão em um mundo fantástico, no estilo "O Senhor dos Anéis", e já assistiu à primeira parte, "Eragon", neste ano, nos cinemas.
"Inicialmente eu vislumbrei a aventura para o cinema, mas, por causa da falta de recursos para produzir um filme, resolvi escrever os livros", explica.
"Eragon" foi comprado pelos estúdios da Fox quando ainda estava no manuscrito. Em entrevista ao jornal americano "USA Today", Elizabeth Gabler, executiva da Fox, explicou que "a relação entre um menino e um dragão que compartilham uma conexão telepática pode render uma forte história para o cinema".

Roteiros em falta
Aparentemente o principal motivo dessa pressa em comprar os direitos para o cinema de um livro que ainda não foi lançado é a falta de boas opções de textos para o cinema.
Joe Hill, filho do escritor Stephen King, viu seu primeiro romance, "Estrada da Noite", que conta a história de um roqueiro velho que arremata um fantasma por um site de leilões, ser comprado pelos estúdios da Warner quando ainda estava em seu quarto rascunho. Mas ele garante: absolutamente nada foi mudado após o contrato.
Joe Hill sabe do risco que é ter um livro roteirizado. "Aqui nos EUA, a cultura é tão saturada de entretenimento que as pessoas preferem passar duas horas vendo um filme a ler um romance em três semanas."

Nem o bruxo escapa
Nem mesmo a escritora J.K. Rowling fugiu desse esquema. Após o lançamento da primeira adaptação de Harry Potter para o cinema, em 2001, algo mudou no seu jeito de contar a história.
"Eu acredito que Rowling alterou seus livros para se encaixarem nos filmes. Todos os livros de Harry Potter escritos após a estréia do filme tiveram as adaptações já pensadas", afirma Stephen Brown, autor de "Wizard!: Harry Potter's Brand Magic" (mago! a mágica da marca Harry Potter).
No livro, ele analisa a estratégia de marketing usada inconscientemente por Rowling e que tornou sua obra um sucesso.
Mas Brown defende que essa mudança não seja uma tática de Rowling. "Ela apenas se influenciou ao ver o que o cinema poderia fazer com a sua visão literária. Os filmes foram muito importantes para espalhar a pottermania. O fenômeno ficou muito maior depois deles."
Para a jornalista Frini Georgakopoulos, especialista na série, o efeito "cinema manda" pôde ser sentido mesmo no sexto livro, "O Enigma do Príncipe". "As passagens foram descritas de tal maneira que eu conseguia ver uma cena de filme. A morte de Dumbledore é um exemplo. A descrição é ótima, mas conta com um olhar mais cinematográfico do que literário", analisa Frini.

Mundo sem graça

EU QUERIA que você entendesse o seguinte: o New Order era o máximo, o símbolo definitivo do cool. O cabelo do Bernard Sumner, lá por 1985, era o mais legal. Como alguém podia tocar baixo daquele jeito tão louco, quase arrastando no chão, como o Peter Hook? Stephen Morris, baterista, mostrava que a busca da técnica pela técnica era asneira. E a Gillian Gilbert, com aqueles vestidos de vovozinha -como alguém podia ser, ao mesmo tempo, tão vanguarda e tão antimoda?
Sem falar nas lendas. Dizia-se que cada um dos quatro ganhava salário fixo e que não admitiam se vestir com o glamour de rockstars -pareciam bancários de cidade pequena. Uma das músicas do primeiro disco se chamava "ICB" porque a sigla significava "Ian Curtis is Buried" (Ian Curtis está enterrado -ele se suicidou em 1980 e era o líder do Joy Division, que deu origem ao New Order).
Nesse contexto de idolatria envolta em mitos, fui ver os caras no Ibirapuera, em São Paulo, em 1988. Hook, Bernard, Stephen, Gillian: icebergs humanos nos conduzindo a um futuro cinzento.
Sentiu o clima? Pois bem, agora venha comigo, caia na real.
Ganhei de um amigo um CD com um programa sobre o New Order, feito especialmente para a série "Originals", à venda na loja do iTunes (só dá para comprar com cartão de crédito gringo). Bernard, Hook e Stephen falam sobre as diversas fases da banda, tudo entremeado com versões, especiais para o programa, das músicas mais famosas.
Os mitos vão caindo aos poucos, e pelas mãos da própria banda.
A transição do rock do Joy Division para a eletrônica do New Order? Só para irritar os fãs do Joy.
"Blue Monday", maior clássico do grupo? Um acidente, uma tentativa de compor uma música que os instrumentos tocassem sozinhos, sem a banda no palco.
Até o New Order virou humano -que mundo mais sem graça!

>>Álvaro Pereira Júnior - cby2k@uol.com.br

terça-feira, outubro 02, 2007

Wu-Tang Clan consegue a primeira liberação para samplear Beatles da história

Da Redação

O grupo de hip hop norte-americano Wu-Tang Clan conseguiu uma proeza inédita: a autorização legal para utilizar um pedaço de música dos Beatles em outra canção, no processo conhecido como "sample". Versões literais de músicas da banda já são autorizadas há décadas, mas até então todos os DJs que utilizavam trechos dos Beatles (como o produtor Danger Mouse, que ficou famoso ao misturar o "White Album" dos Beatles com o "Black Album" de Jay-Z) o faziam sem a liberação da banda.

A faixa sampleada foi a famosa "While My Guitar Gently Weeps", composta pelo guitarrista George Harrison, e de acordo com uma mensagem postada no site do Wu-Tang Clan terá participações de Dhani Harrison, filho do falecido Beatle, e da cantora soul Erykah Badu.

Em entrevista à revista "Rolling Stone", o rapper RZA disse que Dhani Harrison é "o maior fã de Wu-Tang Clan do mundo", o que teria ajudado nas negociações. A versão final com o sample se chamará apenas "Gently Weeps", e trará os rappers Method Man e Ghostface, também do Wu-Tang Clan, interpretando um diálogo entre usuário e traficante de heroína.

Ainda de acordo com a nota no site do Wu-Tang Clan, a "magnitude do sample" fez com que a data de lançamento do álbum "8 Diagrams" fosse adiada de 13 de novembro para 4 de dezembro.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Pensamentos quase póstumos

LUCIANO HUCK

Pago todos os impostos. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa

LUCIANO HUCK foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem. E eu, algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial. E, quem sabe, uma homenagem póstuma no caderno de cultura.
Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio.
Por quê? Por causa de um relógio.
Como brasileiro, tenho até pena dos dois pobres coitados montados naquela moto com um par de capacetes velhos e um 38 bem carregado.
Provavelmente não tiveram infância e educação, muito menos oportunidades. O que não justifica ficar tentando matar as pessoas em plena luz do dia. O lugar deles é na cadeia.
Agora, como cidadão paulistano, fico revoltado. Juro que pago todos os meus impostos, uma fortuna. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa.
Adoro São Paulo. É a minha cidade. Nasci aqui. As minhas raízes estão aqui. Defendo esta cidade. Mas a situação está ficando indefensável.
Passei um dia na cidade nesta semana -moro no Rio por motivos profissionais- e três assaltos passaram por mim. Meu irmão, uma funcionária e eu. Foi-se um relógio que acabara de ganhar da minha esposa em comemoração ao meu aniversário. Todos nos Jardins, com assaltantes armados, de motos e revólveres.
Onde está a polícia? Onde está a "Elite da Tropa"? Quem sabe até a "Tropa de Elite"! Chamem o comandante Nascimento! Está na hora de discutirmos segurança pública de verdade. Tenho certeza de que esse tipo de assalto ao transeunte, ao motorista, não leva mais do que 30 dias para ser extinto. Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção de relógios e pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito.
Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como tentar fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um trabalho sério e eficiente em sua missão. Meu prazer passa pelo bem-estar coletivo, não tenho dúvidas disso.
Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso que queria para a minha cidade. Não queria assumir que estávamos vivendo em Bogotá. Errei na mosca. Bogotá melhorou muito. E nós? Bem, nós estamos chafurdados na violência urbana e não vejo perspectiva de sairmos do atoleiro.
Escrevo este texto não para colocar a revolta de alguém que perdeu o rolex, mas a indignação de alguém que de alguma forma dirigiu sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais equilibrado e justo e concluir -com um 38 na testa- que o país está em diversas frentes caminhando nessa direção, mas, de outro lado, continua mergulhado em problemas quase "infantis" para uma sociedade moderna e justa.
De um lado, a pujança do Brasil. Mas, do outro, crianças sendo assassinadas a golpes de estilete na periferia, assaltos a mão armada sendo executados em série nos bairros ricos, corruptos notórios e comprovados mantendo-se no governo. Nem Bogotá é mais aqui.
Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia? Quem compra as centenas de relógios roubados? Onde vende? Não acredito que a polícia não saiba. Finge não saber.
Alguém consegue explicar um assassino condenado que passa final de semana em casa!? Qual é a lógica disso? Ou um par de "extraterrestres" fortemente armado desfilando pelos bairros nobres de São Paulo?
Estou à procura de um salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no "Roda Vida" da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, "Tropa de Elite" é uma obra de ficção e que aquele na tela é o Wagner Moura, o Olavo da novela. Pensei no presidente, mas não sei no que ele está pensando.
Enfim, pensei, pensei, pensei. Enquanto isso, João Dória Jr. grita: "Cansei". O Lobão canta: "Peidei".
Pensando, cansado ou peidando, hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto para chamar de seu, não se preocupe: a sua hora vai chegar.
Desculpem o desabafo, mas, hoje amanheci um cidadão envergonhado de ser paulistano, um brasileiro humilhado por um calibre 38 e um homem que correu o risco de não ver os seus filhos crescerem por causa de um relógio.
Isso não está certo.
LUCIANO HUCK, 36, apresentador de TV, comanda o programa "Caldeirão do Huck", na TV Globo. É diretor-presidente do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.

É apenas rock e arte, mas eles gostam.

De Dorothy Spears

As luzes estroboscópicas piscam hipnoticamente e os dançarinos movimentam-se como robôs, quando a face fantasmagórica da cantora Nico aparece em 'Exploding Plastic Inevitable', o espetáculo itinerante de arte, música e cinema, de 1966, organizado por Andy Warhol. Em meio às guitarras monótonas do Velvet Underground, a voz de Lou Reed emerge com toda a sua força metálica.

Reed pode ter sido um dos primeiros astros do rock'n'roll a adotar a arte e o cinema como inspirações. Mas ele certamente não foi o último, conforme fica nitidamente demonstrado por 'Sympathy for the Devil: Art and Rock and Roll Since 1967' ('Simpatia Pelo Demônio: Arte e Rock and Roll Desde 1967'), uma exposição altamente aguardada que tem início neste fim de semana no Museu de Arte Contemporânea em Chicago.

Tomando como ponto de partida o filme de Ronald Nameth, 'Andy Warhol's Exploding Plastic Inevitable' (EUA/Reino Unido, 1967) e os 'Testes de Tela' gravados por Warhol com os membros do Velvet Underground -e adotando como título o hino dos Rolling Stones de 1968-, esta pesquisa apresenta mais de cem quadros, desenhos, vídeos, filmes e exemplos de 'installation art' que demonstram as ligações irreverentes entre artistas e roqueiros.
Entre os pontos altos da mostra estão o vídeo de 55 minutos de Dan Graham, 'Rock My Religion' (1982-84); capas de álbuns e folhetos de propaganda desenhados por Raymond Pettibon para a banda do seu irmão, Greg Ginn, a Black Flag; a instalação multimídia de Jutta Koether, de 2006, 'Music'; o vídeo de 58 segundos de Aida Ruilova, feito em 2002, baseado na cena final do filme de Jean-Luc Godard, 'Sympathy for the Devil' (Reino Unido, 1970); e 'Sound Digressions in Seven Colors' ('Digressões Sonoras em Sete Cores'), que consiste em uma estrutura visual e sonora feita em 2006, composta de músicos que fazem improvisações individuais nos seus instrumentos.

Organizada por Dominic Molon, o curador do museu, esta promete ser uma das mostras mais agradáveis e informativas - além de áspera - durante o outono no hemisfério norte. Obviamente esperando multidões, o museu fornece um tour em áudio, com uma coletânea de clips: 'Andy Warhol' (1971), de David Bowie; 'Personality Crisis' (1973), do New York Dolls; 'The Superman' (1981), de Laurie Anderson; 'Air' (1979), do Talking Heads; e 'Kill Yr. Idols' (1983), do Sonic Youth, entre vários outros. O tour pode ser gravado em iPods pessoais durante a visita ao museu, e as músicas completas podem ser compradas no iTunes (um link é solicitamente fornecido no website do museu, mcachicago.org).

Juntamente com trabalhos mais recentes -de Daniel Guzman, da cidade do México, do artista pop japonês Yoshitomo Nara e do coletivo brasileiro Assume Vivid Astro Focus, por exemplo- a mostra ilustra o impacto global do rock sobre os artistas. Ela identifica as raízes da colaboração arte-rock em uma fascinação básica com a interseção entre imagens e sons.

Anderson, que certa vez compôs uma peça para violino baseada nos desenhos matemáticos de Sol LeWitt, recorda como era o mundo de artistas e músicos na Nova York no início da década de 1970, quando o minimalismo liderava a avant-garde.

"As pessoas que faziam o rock cabeça compunham no espaço de arte The Kitchen", conta ela. "E o CBGB's ficava com o rock frenético, caindo mais para o soul".

Enquanto a carreira de Anderson ia de vento em popa, David Byrne ricocheteava entre a pintura, a fotografia, o vídeo e a arte conceitual, primeiro na Escola de Design de Rhode Island, e a seguir no Instituto e Universidade de Arte de Maryland. Após abandonar a escola de arte, ele mudou-se para Nova York em 1972. À época, Byrne, ex-vocalista do grupo Talking Heads, não tinha ambições musicais.

"Quando me mudei para a cidade, o que eu queria era aparecer nas galerias", conta ele.

Mas Lee Ranald, vocalista e guitarrista do Sonic Youth, lembra-se de que naquela época o mundo da arte era compartimentado.

"Era mais fácil fazer um teste musical à noite no CBGB's do que conseguir expor em uma galeria", diz ele.

Foi exatamente essa a experiência de Byrne. "Formamos uma banda, e um dia quisemos nos apresentar. Conseguimos fazer um teste no CBGB's", conta o músico.

Atraídos pelo desprezo do rock-punk à virtuosidade, os artistas que aguardavam um grande sucesso nas galerias começaram a empunhar instrumentos musicais na década de 1970.

"Muitos artistas plásticos tocavam em bandas", diz Robert Longo, que em 1977 criou um grupo chamado Menthol Wars com o também artista Richard Prince. "Era fantástico ouvir música que soava como a nossa arte visual".

A exposição exibe os grandes desenhos em carvão de Longo da sua série 'Men in the Cities' e os 'Portraits' em Ektacolor de Prince, de 1984, que incluem retratos de Dee Dee Ramone, Tina Weymouth, do Talking Heads, e Adele Bertei, do Contortions.

"Todo mundo que trabalhava no circuito underground do cenário musical de Manhattan era oriundo de algum tipo de escola de arte", lembrou Ranald em uma entrevista em Londres, onde o Sonic Youth faz uma turnê. "Havia alunos de artes visuais, teatro e cinema. Éramos basicamente garotos de classe média com educação universitária. Todos estavam por dentro do conceito de apropriação e das práticas da arte minimalista e conceitual -e aplicavam isso à música produzida no momento".

Mas o apogeu da onda punk durou pouco.

"O punk brilhou intensamente durante 18 meses", afirma Peter Saville, um dos fundadores da Factory Records, uma gravadora independente em Manchester, na Inglaterra, que sobreviveu até 1992. "Por volta de 1978, aqueles de nós que tinham um traço mais intelectual perguntavam: 'O que virá a seguir?'".

Os grupos new age e pós-punk revelaram-se um terreno fértil para Longo. "A música era como a gasolina que você coloca no tanque para fazer o carro funcionar", disse ele em uma entrevista no seu estúdio em Little Italy, no qual as suas peças artísticas estão rodeadas por três guitarras e um baixo. "O Talking Heads e o Joy Division tornaram-se o maior combustível para o meu trabalho. Foi aí que me tornei realmente produtivo".

Citando as múltiplas fontes inspiradoras dos seus desenhos da série 'Men in the Cities', de 1980-82, Longo selecionou uma performance do Contortions no CBGB's.

"A maneira como James Chance se movimentava no palco -em espasmos, quase que como se fosse dirigido por impulsos psicóticos- realmente me tocou" (a música da banda, 'Contort Yourself', de 1979, faz parte da lista da exposição).

No seu estúdio em Lower East Side, em Manhattan, o artista de vídeo Oursler falou sobre o desmantelamento, por parte do rock'n'roll, daquela que era uma torre de marfim do mundo da arte: "Havia aquela idéia lançada por David Byrne e Laurie Anderson, de que um trabalho artístico poderia ser qualquer coisa: uma música, um filme, um fragmento sonoro ou uma clip de vídeo".

Ele conta que se interessou por essa salada, e também em alcançar um público maior. "David Byrne foi um garoto-propaganda desta idéia", afirma Oursler, cujo trabalho, "Synesthesia", aparece em uma entrevista com Byrne, e que faz parte da exposição em Chicago.

Já Byrne ficou eufórico quando colegas artistas tornaram-se fãs do Talking Heads: "Lembro-me de que, no final dos anos setenta, quando estávamos tocando no CBGB's, havia vários artistas na platéia, incluindo Vito Acconci e Andy Warhol. Para nós, aqueles eram grandes nomes".

A partir do final da década de sessenta, fenômenos semelhantes aos do cenário da arte e do rock de Nova York começaram a aparecer. Mike Kelley, especialista em installation art, por exemplo, que cresceu em Detroit, lembra-se de que, nos intervalos da tarefa de salvar as revistas de arte da destruição no centro de reciclagem, ele assistiu a concertos de bandas locais como a MC5 ou os Stooges. Mas quando ele e o artista Jim Shaw formaram o barulhento grupo Destroy All Monsters da Universidade de Michigan em Ann Arbor, a receptividade foi desencorajadora.

"Eles nos detestavam", disse Kelley do seu estúdio em Los Angeles. "Quando a banda conseguiu fazer uma rara apresentação em uma festa alternativa, fomos completamente desprezados como sendo uma piada".

'Greetings From Detroit', um conjunto de retratos dos membros das bandas da cidade pela coletânea Destroy All Monsters,está em 'Sympathy for the Devil'. Quando Kelley e Shaw graduaram-se pelo Instituto de Artes da Califórnia em Valencia, o cenário era ruidoso.

"Mas era composto de pessoas interessadas em sua maioria nelas próprias", diz Kelley. O aspecto irônico daquelas apresentações tornaram-se parte da sua atuação. O Destroy All Monsters tinha um fanzine. "Mas não havia fãs, de forma que a coisa toda virou uma piada".

Enquanto ainda freqüentava o Instituto de Artes da Califórnia, Kelley formou uma outra banda, os Poetics, com Oursler. Aquele grupo, segundo Oursler, apresentava o outro lado da moeda da integração arte-pop. "Estávamos criando música, gritando e fazendo apresentações bizarras usando shorts", conta Oursler. "O nosso interesse era ir além dos limites".

Kim Gordon, atualmente vocalista e guitarrista do Sonic Youth, conheceu Kelley em uma palestra feita por Graham, o artista conceitual. E ela se recorda de que Graham desempenhou um papel na sua carreira musical. No início dos anos oitenta, quando ela trabalhava na Galeria Annina Nosey, no SoHo, Graham lhe pediu que colaborasse em uma apresentação que contava com um espelho voltado para a platéia.

"Ele me pediu que fundasse uma banda feminina", diz Gordon, acrescentando que muitas mulheres estavam envolvidas com o cenário barulhento do underground experimental.

Pouco depois disso, o universo das galerias explodiu em East Village e SoHo. "Vários artistas que faziam música pararam", diz Gordon. "Isso porque as suas carreiras nas artes plásticas decolaram".

Conforme recorda Ranaldo: "A arte começou a render muito dinheiro. E o fluxo de dinheiro deixou os músicos para trás".

Os discos de vinil, com as suas capas de 30 centímetros também ficaram para trás, à medida que os CDs reproduziam a arte em uma camada clara de plástico facilmente quebrável.

As capas dos álbuns de Saville para a Factory Records -aquela que está sendo exibida é a do álbum de 1983, 'Power, Corruption and Lies', do New Order- tornaram-se lendárias.

"As bandas consideravam-nas como parte tão integral dos seus discos que elas adiavam a produção até que Peter tivesse uma idéia", conta Byrne.

"Em 1980 a Factory Records contava com uma base muito leal de fãs, formada por cerca de 50 mil pessoas, que compravam tudo o que a gravadora produzia", diz Saville, explicando por que jamais precisou pensar em fazer marketing ao desenhar as capas dos álbuns.

"Não havia impressão das faixas na parte de trás das capas", observa ele. "E dentro não havia letras das músicas. Ninguém iria ganhar dinheiro. E ninguém estava vendendo nada. Acreditamos que as pessoas comprariam o produto, com rótulos ou não. E foi o que ocorreu".

Segundo Saville, sob tais circunstâncias, ele desfrutou da rara autonomia associada à arte.

"Você tem que estar fora do ramo para fazer algo real ou verdadeiro. E atualmente muito pouca coisa está fora do ramo".

Mas a era pioneira do cruzamento entre arte e rock continua a fascinar.

'Summer of Love', a mostra encerrada recentemente no Whitney Museum of American Art, abordou a música e a arte de 1967; 'Panic Attack! Art of the Punk Years, 1974-84', foi encerrada recentemente na Barbican Gallery, em Londres.

"Acho que os museus e as galerias estão com fome de corpos novos", afirma Ranaldo, acrescentando que uma exposição das diversas colaborações do Sonic Youth com artistas fará uma turnê pela Europa no próximo verão.

"A música é algo de muito visceral à qual os jovens respondem. É algo que tem um apelo bem mais forte do que a arte".

Reed afirma ver um renascimento do interesse em combinar arte com música.

"Atualmente existem todas essas coisas incríveis que se pode fazer com os processos digitais", diz ele. "É um momento bastante entusiasmante para se ser um artista jovem".