sexta-feira, março 28, 2008

"Vendemos beijo na boca"

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR


Críticos anticarnaval, moralistas de plantão, guardiões da "qualidade" da música brasileira, horrorizai-vos: a axé music veio, mandou tirar os pés do chão e jogar as mãozinhas para o alto e venceu.
E os números (do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad) mostram que foi de goleada, por qualquer ângulo que se analise.
Compositor mais tocado do Brasil em 2005 e 2006 e vice em 2007? Carlinhos Brown (que ficou atrás de Chico Buarque no ano passado). Canções mais tocadas em shows de 2005 a 2007? Das dez primeiras a cada ano, apenas uma não era axé.
Artista mais lucrativa do país há alguns anos? Ivete Sangalo (cachê de R$ 300 mil a R$ 400 mil por show, média de 12 shows por mês, afora contratos publicitários), que colocou dois DVDs ao vivo não apenas no topo dos mais vendidos do Brasil como no dos mais vendidos do mundo pela gravadora Universal (em 2005 e 2007).
O axé, gênero nomeado por um jornalista baiano (veja texto abaixo) e que acabou abarcando "tudo o que vem da Bahia", como reclama Daniela Mercury (justamente a madrinha do gênero, graças a seu CD recordista, "O Canto da Cidade", que há 16 anos transformou a música baiana em fenômeno nacional), tornou-se o motor de uma azeitada máquina de promoção de shows.
Mais do que isso, passou a ser o mais destacado representante da música brasileira no exterior -Carlinhos Brown é rei na Espanha; Daniela e Ivete lideram em Portugal; o Chiclete com Banana faz turnê nos EUA; todos tocam em países como França, Itália e Alemanha.
Musicalmente, o que se denomina "axé music" é a mistura do som "dos blocos afros com instrumentos eletrônicos", como diz Daniela à Folha. Para efeitos comerciais e de divulgação, o rótulo acabou abrangendo variações como o samba-reggae e o samba da Bahia.

Marcos da dominação
"O axé retoma a música brasileira para os brasileiros, é um gênero vibrante e rítmico, uma grande miscelânea musical", diz Daniela. "É uma música de entretenimento, despretensiosa e muito participativa", afirma Ivete, por e-mail.
Há pelo menos três grandes marcos da dominação da axé music: o sucesso inesperado e estrondoso de "O Canto da Cidade", em 1992; a geração das dançarinas de muito rebolado e pouca roupa, lançada pelo É o Tchan (então Gera Samba) em 1995; e o fenômeno Ivete Sangalo, que estourou com a banda Eva em 1997 e depois em carreira solo, a partir de 1999.
Como antecessores, ainda na década de 1980, estão Luiz Caldas (com hits como "Fricote", "Haja Amor" e "Tieta"), o Olodum (com os Carnavais de "Faraó" e "Madagascar") e o Chiclete com Banana.
Originalmente uma música do Carnaval baiano, o sucesso do axé entre os turistas que visitavam a Bahia acabou fazendo o gênero transbordar para outras regiões e outros meses -por meio das micaretas, os Carnavais fora de época.
"Como negócio, o axé é mais forte fora do Carnaval", diz Roberto Bezerra, um dos donos da Destaque Promoções, que organiza o maior evento de música baiana depois da festa de Salvador, o Carnatal (RN).
"O que Ivete ganha no Carnaval é 10% do que ela fatura nos outros eventos ao longo do ano. O Carnaval serve de vitrine."
Para Bezerra, o fortalecimento das relações entre artistas e contratantes em cada Estado é a base de sustentação do crescimento do gênero.

Fidelidade
"Eles contrariam a lei de mercado e não leiloam seus passes, têm fidelidade aos contratantes. Com isso, nós os promovemos, fazemos o trabalho de exposição da marca."
Isso explica, segundo o empresário, a predominância do axé sobre o pop e o rock, por exemplo. "Depois que as gravadoras quebraram, só quem fazia promoção eram os contratantes. E com quem eles trabalhavam? Com os artistas da música baiana."
Outro motivo do êxito é justamente a fome de sucessos, independentemente do gênero. "O que estiver estourado o axé toca. Eles tocam as músicas uns dos outros e o que estiver sendo bem executado no país", de "Anna Julia" (Los Hermanos) ao "Créu" (do DJ Sérgio Costa).

"Vendemos beijo na boca"
Uma explicação mais pitoresca para o sucesso nacional do axé é dada por Emanuel Junior, sócio-diretor da DM Promoções, empresa que organiza as principais micaretas de Minas Gerais (o segundo maior circuito do gênero).
"A música baiana conseguiu algo único: ela vende beijo na boca. No show de rock, fica todo mundo olhando para o palco e ninguém pega ninguém. No axé, pode estar a Ivete tocando, mas o cara está interessado é em beijar, e está cheio de garotas para beijá-lo", diz.
"Encontrou-se uma fórmula de entretenimento que foge à grandeza musical. Não consigo ver, a médio prazo, esse sucesso cair. O axé vai se mesclar até com artistas internacionais, mas não vai morrer, porque é o único que vende beijo na boca."

Steve Albini toca em SP com a banda Shellac e fala de seu trabalho como produtor do Nirvana


MARCUS MARÇAL
Da Redação


Líder de bandas seminais do cenário underground norte-americano, como Big Black e Rapeman, o norte-americano Steve Albini excursiona pela primeira vez no Brasil com a banda Shellac. A primeira etapa da turnê aconteceu na última terça-feira (25) no Rio de Janeiro, no Festival Evidente, mas o grupo ainda fará mais uma apresentação neste sábado (29) no Clash Club, em São Paulo.

Produtor renomado de álbuns considerados clássicos do rock recente como "Surfer Rosa" (Pixies) e "In Utero" (Nirvana), o guitarrista Albini formou o Shellac em 1992 e, desde o início de sua carreira de músico, promove uma radical evolução da linguagem pós-punk e art-funk de bandas com Public Image Limited e Gang of Four, mais focada em uma sonoridade barulhenta. Também foi involuntariamente um dos precursores do rock industrial que levou bandas como Nine Inch Nails e Ministry ao cenário mainstream no início dos anos 90.

Com o Shellac, Steve Albini já lançou álbuns como "At Action Park" (1994), "Terraform" (1998), "1000 Hurts" (2000), "Excellent Italian Greyhound" (2007) e a compilação de singles "The Rude Gesture: A Pictorial History" (1993). O músico também é conhecido por sua militância no underground norte-americano dos anos 80, que pavimentou a estrada para o estouro do rock alternativo local no início dos 90. É dessa época que ganhou a fama de "homem mais nervoso do rock", devido a sua postura radical diante dos padrões estabelecidos nos grandes negócios da indústria da música no exterior. No entanto, também já trabalhou para os grandes selos na gravação de álbuns de artistas distintos como Page & Plant e Bush, devido à eficiência com que ajuda a moldar a sonoridade em disco das bandas que produz.

Em entrevista ao UOL, o músico e produtor abordou vários temas relacionados à sua trajetória. Comentou a respeito de suas bandas anteriores e até mesmo sobre sua colaboração para a história recente do rock'n roll. Também falou sobre sua má fama, oriunda dos temas que escreve para suas bandas, a qual desmistificou com serenidade. "Nós estávamos após o limiar de humor no qual os radicalismos de pensamento eram considerados charmosos. Quando está no início da idade adulta, você reconhece que muitas coisas que pareciam extremas na sua juventude são, na verdade, bastante normais. E apreciar essa questão é concluir que, quanto mais radical e extremo, é um determinado comportamento, mais charmoso ele fica. Mas isso não necessariamente diz respeito ao nosso estilo de vida", declarou.


UOL - O que podemos esperar dos shows do Shellac no Brasil?

STEVE ALBINI: Nós não temos um repertório pré-estabelecido, portanto os shows serão um pouco diferentes a cada noite. Temos amigos em outras bandas que já foram ao Brasil e, na volta para casa, todos disseram que foi uma experiência muito boa. Estamos animados com os shows que faremos no país.

UOL - Você é conhecido como produtor de discos, qual é sua opinião sobre o formato MP3?

ALBINI: No momento, MP3s são muito convenientes para a distribuição de música. Não possuem a melhor qualidade sonora e, portanto, não é a mídia mais adequada para uma banda como a nossa. Mas acho que é uma boa maneira de tornar a música acessível para outras pessoas. E fazer parte dos mecanismos da indústria do disco não é mesmo nossa aspiração. Preferimos trabalhar diretamente junto ao nosso público.

UOL - Sua postura é uma das mais radicais na indústria do disco?
ALBINI: Não, acho que a maneira como lidamos com nosso trabalho é a mesma da de muitas bandas em início de carreira. Elas não têm empresário, advogado, agência ou gravadora e não trabalham a partir da perspectiva de negócios simplesmente porque estão felizes com a música que fazem. E, nesse sentido, trabalhamos exatamente da mesma forma que todos esses grupos em início de carreira. A diferença é que continuamos a trabalhar desta forma.

UOL - É uma postura similar à dos músicos de jazz do início do século passado, que se recusaram a gravar suas músicas com a invenção do fonógrafo?
ALBINI: Não estou familiarizado com essa tradição. A maneira como conduzimos nossa carreira não diz respeito a outras pessoas. É relacionada a nós mesmos e às coisas com as quais nos sentimos confortáveis, no espectro de trabalho convencional da indústria do disco. Honestamente, isso não diz respeito a outras pessoas e sim propriamente à nossa paz de espírito.

UOL - O misantropo barulhento Steve Albini está presente no Shellac, devido às abordagens sobre sexo, violência e comportamento anti-social?

ALBINI: Acho que a percepção sobre misantropia a meu respeito é provavelmente muito superestimada. Hoje estou mais velho e acho que sou menos inteirado em questões pueris como choque e estimulação e mais focado no desenvolvimento de nossos temas principais. E hoje talvez as coisas estejam mais tranqüilas agora. Mas minha visão básica de mundo ainda é a mesma, não acho que tenha mudado tanto como indivíduo.

UOL - Fale um pouco sobre a faceta experimental da música do Shellac.
ALBINI: Shellac está na ativa há mais tempo que qualquer outra banda minha. A abordagem é mais ligada à transmissão da mensagem do que propriamente à sonoridade. Queremos ser felizes na maneira com a qual conduzimos nosso trabalho e o som da banda é resultado disso --não tem a ver com aspirações ao topo das paradas de sucesso. Nesse ponto de vista, concordo que conduzimos uma banda experimental, mas isso não é primordialmente algo ligado à sonoridade. Tem mais a ver com nossa postura e isso inclui nossa performance ao vivo, pois mantemos uma medida de liberdade em nossas apresentações e isso também é um outro aspecto a se ressaltar.

UOL - Com a brutalidade de sua música, você expressa seu genuíno humor negro?

ALBINI: Sim, acredito que exista um elemento de humor em todos os aspectos da vida. Se você pensa em um dia comum de uma pessoa normal, haverá momentos em que estará nervoso, risonho, triste ou tarado. Você passa por uma imensa gama de sentimentos em um só dia. Não deveria ser atípico o fato de nossa música espelhar essa variedade de emoções, pois é possível transitar por diferentes sensações de um momento para outro. Isso não quer dizer que sejam sentimentos compatíveis, mas certamente são parte de um espectro familiar a todo mundo.

UOL - Gravar um álbum barulhento como "Terraform" no estúdio dos Beatles foi uma ironia?

ALBINI: Não, estava familiarizado com o estúdio Abbey Road porque já trabalhei muito lá. Gravei vários álbuns no local, algo entre 12 e 15 álbuns, e o considero um ótimo estúdio. Não trabalhamos lá devido a alguma associação com os Beatles ou algo do tipo, mas devido a sua qualidade.

UOL - Sua música evolui a cada novo trabalho?

ALBINI: Relativamente falando, eu acho que as gravações do Shellac são consistentes. Não acho que nos reinventamos em ponto algum, simplesmente somos felizes em a banda ser como é. Não há necessariamente desenvolvimento de um álbum para outro, acho que há uma continuidade, pois você pode ouvir cada um deles e adquirir uma sensação a respeito da identidade da banda. Mas não tenho sentimentos fortes em favor de nenhum de nossos álbuns, acho que todos são representativos à sua maneira.

UOL - Qual é a diferença entre os álbuns do Shellac?
ALBINI: A diferença é que existe mais fotografias na arte de nosso lançamento mais recente, "Excellent Italian Greyhound" (2007). É uma fotografia de cachorro e não há muitas fotografias em nossos outros discos. Não acredito que haja uma grande evolução na sonoridade do Shellac. Mas, se você ouve os álbuns do Big Black em ordem cronológica, há uma progressão notável. O som fica mais sofisticado e um pouco mais abrasivo com o passar dos anos. Existe essa evidência de que eu passava por um período de aprendizado e a banda se tornando mais segura. Posteriormente, a banda precisava acabar e me orgulho de encerrarmos as atividades com um grande álbum. Mas não quisemos fazer com o álbum uma afirmação sobre o fim da banda naquela época. Simplesmente foi uma questão de ordem prática e me pareceu uma boa idéia acabar com a banda. Fizemos uma rápida reunião do Big Black recentemente. Apenas tocamos algumas canções durante o aniversário de 25 anos da gravadora Touch and Go porque quisemos demonstrar nosso respeito pelo selo.

UOL - Big Black, Rapeman e Shellac são trios. Esta é a melhor formação para uma banda de rock?
ALBINI: Na minha perspectiva de músico, sim. Tenho maior preferência por trabalhar em bandas formadas por três integrantes, pois é possível fazer uma grande mudança no som a partir de apenas uma pessoa. Você tem muita flexibilidade no som e isso não requer orquestração ou organização de muitas pessoas. É um arranjo muito versátil. E também torna muito mais fácil viajar ou organizar ensaios, pois são apenas três pessoas. Facilita tudo!

UOL - Fale de sua reputação como "o homem mais nervoso do rock'n roll" do início de carreira.
ALBINI: A imagem que as pessoas fazem de mim não é material de minha criação. É suposição gerada a partir de discussões alheias, às quais não tenho controle algum. Sinto-me uma pessoa normal. E se as pessoas têm a impressão de que sou nervoso, maluco ou qualquer coisa do tipo, isso não me incomoda, pois não tenho preocupações quanto a isso. Geralmente falam essas coisas, mas não importo com o que fazem ou falam. E não posso fazer nada se digo algo normal e sou mal-interpretado por alguém. E se alguém quer formar uma opinião a meu respeito, tudo bem. Seja ela positiva ou negativa, isso é material para a consideração dessas pessoas --e não minha.

UOL - Seria também uma resposta ao que existe de frívolo e artificial nos negócios da música?
ALBINI: Acho que há muita ênfase na imagem na cena e nos negócios relacionados à música. Até mesmo em escala independente há bandas preocupadas em como seu visual será percebido por outras pessoas. E é muito saudável se você não se prende a essas coisas, pois usufrui de uma liberdade maior e se torna mais aberto em suas conversações. E esse é um grande passo!

UOL - Seu trabalho como produtor estabeleceu valores do rock alternativo devido à independência e recusa de sua parte ante aos assuntos ligados à vendagem de álbuns?
ALBINI: No que diz respeito a minha capacidade profissional, sempre tento agregar o máximo de força e importância às bandas com quem trabalho durante o processo de produção. E se um grupo possui uma abordagem particular que queira exercer, minha intenção é tornar isso possível de acordo com seu ponto de vista. Não me ligo em questões sobre o que será popular ou padrões estéticos convencionais do que é bom ou ruim. Nesse sentido, sou compreensivo com as bandas e quero que elas sejam bem-sucedidas em seus próprios termos. Aprecio essa atitude em outras pessoas quando elas se manifestam em relação a mim e tento retribuir.

UOL - Você é respeitado na cena alternativa de rock por tirar o melhor das bandas com quem trabalha. Por que prefere ser chamado de engenheiro de som, em vez de produtor?
ALBINI: Gosto de ser chamado de engenheiro de som, mais propriamente do que produtor, pois é mais exato definir minha função desta forma. Em termos convencionais, o produtor é responsável pelo som de uma gravação. Ele toma todas as decisões importantes relacionadas à música e som. Em minhas sessões de gravação, eu prefiro que a banda tome suas próprias decisões. Em âmbito particular, fico feliz em propiciar facilidade aos músicos na realização de seus álbuns.

UOL - Trabalhar com grandes gravadoras foi uma fórmula de você financiar projetos pessoais e a produção de bandas obscuras do underground?

ALBINI: Discordo, pois os projetos que já realizei para grandes gravadoras correspondem a uma parte muito pequena de meus honorários - diria que talvez seja apenas 1 ou 2% do dinheiro que fiz para sustentar meu estúdio, minha banda e tudo isso. Essa informação é inexata e corresponde a uma perspectiva de fora de minha experiência --como se alguém pegasse meu currículo e achasse que fiz muito dinheiro produzindo o Nirvana e isso me permitisse bancar todas as outras gravações. Isso não é verdadeiro em absoluto, sequer é próximo à realidade.

UOL - Big Black foi precursor da cena de rock industrial que chegou ao mainstream nos anos 90, liderada por bandas como Ministry e Nine Inch Nails. Você esperava que esses grupos fossem bem-sucedidos?
ALBINI: Se isso é verdade, eu peço desculpas (rindo)! Sim, essas eram as bandas do momento, com forte apelo visual e um tipo de abordagem modista. E essas coisas podem ter sido fatores que tornaram essas bandas bem-sucedidas em um curto prazo. Mas não me considero, tampouco o Big Black, como parte dessa linhagem. Acho que essas pessoas eram diferentes de nós e não tenho nada a ver com seus fracassos ou sucessos. Não aprecio boa parte desse tipo de música, pois isso não é importante.

UOL - Não havia tabus em relação aos temas do Big Black e Rapeman, vocês promoviam uma resposta aos setores conservadores e às tarjas de alerta aos pais nos discos de rock?
ALBINI: Não, estávamos após o limiar de humor onde os radicalismos de pensamento e comportamento eram considerados charmosos. Quando está no início da idade adulta, você reconhece que muitas coisas que pareciam extremas na sua juventude são, na verdade, bastante normais. E apreciar levar essa questão à perspectiva mais remota de conclusão é lembrar que quanto mais radical e extremo é um determinado comportamento, mais charmoso ele fica. Mas isso apenas diz respeito à maneira como pensamos ou ao que dizemos --e não necessariamente diz respeito ao nosso estilo de vida. A maior parte do mundo conservador no universo mainstream da música é completamente ignorante a respeito do Big Black. Então, para nós, não havia diferença. O que escrevíamos e cantávamos era parcialmente muito desconhecido para que essas pessoas pudessem necessariamente ouvir e entender o que cantávamos. E nossa audiência também não era conservadora e naturalmente ninguém reagia contra isso, pois ninguém se sentia ofendido ao ouvir o que cantávamos. Portanto, não tivemos problema de espécie alguma. O incidente que tivemos de boicote de estudantes numa apresentação do Rapeman em uma universidade na Inglaterra, no final dos anos 80, foi um fato isolado, criado pelo pessoal que detinha o controle da política esquerdista na instituição. Foi um show dissociado da universidade, que ainda permitiu que tocássemos e a apresentação foi um sucesso. Portanto, foi uma expressão política da esquerda, e não da direita. Eu quase fiquei desapontado quando isso aconteceu, pois simpatizamos politicamente com a esquerda. E me pareceu uma idéia ruim a esquerda trancar um órgão com o qual solidarizamos. Mas, se você escolhe um nome ofensivo para sua banda, é natural você aceitar que as pessoas eventualmente se sintam ofendidas.

UOL - Fale sobre a canção "Kim Gordon's Panties" ("As calcinhas de Kim Gordon"), lançada pelo Rapeman. Alguma vez você chegou a ouvir a opinião da integrante do Sonic Youth sobre esta homenagem?
ALBINI: Nunca ouvi a opinião dela a respeito disso. Mas isso não era novidade naquela época. Era uma coisa legendária! Kim levava um par extra de roupa íntima aos shows e, sempre que os integrantes de alguma banda se comportavam como estrelas do rock ou coisas do tipo, Kim atirava calcinhas na direção deles como uma forma de detonar o pessoal. Eu achava essa idéia realmente brilhante, uma maneira de criticar essa postura. Isso porque quando alguém joga roupas íntimas em direção ao palco, a reação instantânea é o cara pensar: "Uau, eu sou demais". Mas depois só depois ele percebe que não é assim tão bacana porque ela estava apenas tirando um sarro com a cara dele. É uma maneira muito boa de se criticar isso.

UOL - Você já trabalhou com Page & Plant e conseguiria imaginar um hipotético novo álbum do Led Zeppelin produzido por você?

ALBINI: Sim, trabalhei com eles e se fosse convidado eu ficaria impressionado. Realmente gostei de trabalhar com Jimmy e Robert. Para mim, ambos são fascinantes e muito talentosos. E tenho um tremendo respeito por eles. Não sei como esse álbum soaria e nem teria como.

UOL - Você acredita que os discos de vinil podem ressurgir como formato para venda de músicas?

ALBINI: No momento, há um aumento nas vendas de vinil, enquanto se vende menos CDs. Acredito que as pessoas estejam reconhecendo que é legal ter um formato conveniente para música como o MP3 e também um de alta qualidade como o vinil. Estou contente porque o formato vinil sobreviverá por um longo período.

UOL - Você trabalhou em vários álbuns clássicos da história do rock, como "Surfer Rosa" (Pixies), "Rid of Me" (PJ Harvey) e "In Utero" (Nirvana), entre outros. Fale a respeito destes trabalhos.

ALBINI: Não tenho nada específico a dizer sobre "Surfer Rosa". Curti trabalhar naquele disco e acho que fiz um bom trabalho. Acho que as Breeders são musicalmente mais interessantes do que o Pixies. Parcialmente porque Kim Deal possui um gosto musical mais amplo em sua própria música do que com sua antiga banda. Acho que as Breeders cobriam uma área musical maior e um território sonoro mais interessante. Na época de "Rid of Me", a banda de PJ Harvey estava em ótima forma e os músicos tocavam muito bem em conjunto, pois excursionavam bastante e estavam bastante entrosados ao vivo. Foi um álbum muito fácil de fazer. A banda fazia ótimas apresentações na época e as canções surgiram rapidamente. Agora sobre o Nirvana, posso dizer que era uma banda totalmente normal em estúdio e foi uma experiência comum gravá-la, como faço diariamente. Não estava familiarizado com a música da banda até entrar em estúdio e desenvolvi um respeito por eles durante o decorrer da gravação do álbum. Curti trabalhar no álbum e acho que todos fizeram um bom trabalho. Após a finalização de "In Utero", houve uma discussão entre a banda e o selo --o que se tornou uma espécie de pendência política. Mas minha reconstituição do período imediatamente após as gravações não é das melhores. E não gosto muito de me lembrar desta época porque acho isso acabou se refletindo muito mal em cima da banda e da gravadora. Mas ao final da história, a banda finalmente ficou feliz com o álbum, o lançou como queria e fico contente com isso. Eu tinha um certo respeito pela banda naquela época, mas não chegamos a ser realmente amigos. Quero dizer, gosto deles, foi divertido estar ao redor deles e trabalhar no disco, mas não chegamos a socializar. Mas eu realmente não penso em termos de álbuns. Há bandas com quem trabalhei repetidamente e, no decorrer do tempo, esse material se tornou uma espécie de conjunto de obras. E sou muito feliz por manter um bom relacionamento com bandas e artistas como Silkworm, Jesus Lizard e Nina Nastasia. Acho que, ao fazer vários trabalhos com determinados artistas, é possível você desenvolver um bom vocabulário e um bom relacionamento amigável com eles.

quinta-feira, março 20, 2008

Música sem enfeites

Por Humberto Pereira da Silva

O ensaísta Jorge de Almeida analisa a crítica do jovem Adorno e diz que o filósofo é muito lido no Brasil, mas mal digerido

No exame de questões postas pela estética, filosofia e música estabelecem laços que permitem a alguns pensadores refletir tanto sobre o lugar que preenche a criação musical frente às contradições da sociedade quanto sobre o estatuto, a compreensão e debates que giram torno de seu impacto em determinado momento histórico.

Dentre os filósofos que se dispuseram a articular filosofia e música, destacam-se Theodor Adorno, que dosou seu pensamento com inflexões originas e polêmicas sobre a música. Nas palavras de Adorno, a questão do valor de uma obra de arte tornou-se uma ficção, para aquele que se vê cercado de mercadorias musicais padronizadas. As categorias da arte autônoma, procurada e cultivada em virtude do seu valor intrínseco, já não tem valor para a apreciação musical de hoje.

Pensamento atual, muitas vezes em choque ou compreendido de forma obtusa por historiadores da arte, críticos, artistas e estudiosos, mesmo que se aproximem de seu pensamento, Adorno é matéria de estudo de recente livro de Jorge de Almeida, “Crítica Dialética em Theodor Adorno: Música e Verdade nos Anos Vinte” (Ateliê Editorial, 319 págs.). Jorge de Almeida, que é professor de teoria literária e literatura comparada na USP, tem formação em música e filosofia e se dedica há alguns anos à análise do pensamento de Adorno. Tendo-o como referência, publicou estudos relevantes sobre indústria cultural, modernismo e vanguardas.

Na entrevista a seguir, em que fala do livro, Jorge de Almeida procura desfazer alguns nós em torno de conceitos com os quais Adorno trabalhou. Ao acompanhar o surgimento de problemas e conceitos em meio à discussão sobre a Música Nova, ele observa que mesmo sendo um pensador muito lido no Brasil, Adorno ainda é mal digerido: “É interessante notar o quanto, mesmo assim, ele é atacado sem mais, principalmente por suas críticas ao jazz e suas idéias sobre indústria cultural”.

A leitura atenta de Adorno, no entanto, mostraria que ele está preocupado com a questão da verdade da obra musical: “A “verdade” ou “falsidade” de cada peça, explicitada pela crítica, diz muito sobre o mundo, por isso a arte não deveria ser vista como um simples enfeite ou reduzida a mero entretenimento”. Daí, defende Almeida, sua crítica se voltar à idéia de que a expressão musical seja tomada em sentido utilitário: “Adorno é muito crítico em relação à completa mercantilização da música, na transformação de seu 'valor de uso' em mero 'valor de troca'".

*


Adorno escreveu sobre música até os anos 60. No entanto, no recorte que você fez para analisar as inflexões adornianas a respeito da música, o foco está nos debates travados nos anos 20. Por que esse período é tão importante para os debates e discussões sobre música?


Jorge de Almeida : De fato, os anos 20 foram muito importantes, não apenas para a música, mas também para a literatura, a arquitetura, o cinema e outras artes. Sob o impacto do final da Primeira Guerra e das promessas da Revolução Russa, a década é marcada por uma constante tensão entre dois impulsos contrários, que acabam se iluminando reciprocamente.

De um lado, o esforço de levar adiante a liberdade e as novas possibilidades de construção e expressão recém conquistadas pelo modernismo da virada do século e pelas vanguardas da década de 10 (o Futurismo e o Dadaísmo). De outro, a busca por um porto mais seguro, em uma época de tantas crises e transformações, com o retorno à ordem e a retomada de formas mais propícias para a comunicação com o grande público, tanto no neoclassicismo francês e italiano quanto na Nova Objetividade alemã.

Além disso, não podemos ignorar o impacto do Surrealismo, que atravessa fronteiras e reconfigura a relação entre a arte, o inconsciente e a política. Isso tudo em um período extremamente conturbado, com crises políticas e econômicas que se sucediam e atropelavam em um ritmo inusitado, propriamente “moderno”.


Mas o seu livro traz o título “critica dialética em Theodor Adorno”. Como isso se relaciona com os anos 20?


Almeida : Meu objetivo no livro é justamente mostrar como as categorias da crítica estética nascem e se reconfiguram a partir do diálogo com as questões cruciais do debate artístico de cada época.

Fiz um recorte, nos anos 20, para demonstrar essa idéia, pois esse é o período fundamental para a percepção, por parte não apenas dos críticos, mas também dos próprios artistas, de que eles não poderiam mais pensar e falar sobre arte com as mesmas categorias e conceitos do passado.

O modernismo e as vanguardas exigiam uma completa reconfiguração dos parâmetros tradicionais da crítica, já que cada autor relevante (alguns deles a cada nova obra) buscava uma solução específica e original para os problemas gerais da forma e do sentido.

O jovem Adorno, ao lado de seus estudos acadêmicos de filosofia, participava ativamente desse debate, como crítico literário e musical de importantes revistas da época. Aprendeu então, com as discussões sobre a morte do Expressionismo e as contradições da Nova Música, que a reflexão sobre arte não podia mais ser feita a partir de fora, a partir de conceitos gerais de estilo.

A nova situação exigia a interpretação de cada obra como uma tentativa de solução dos novos problemas artísticos e sociais. É a história da arte moderna, e não a leitura atenta dos textos de Kant e Hegel sobre estética, que gera, portanto, a necessidade de pensar em algo como uma “crítica dialética”, capaz de incorporar e explicitar as contradições, sem reduzi-las a questões a-históricas e abstratas.

Essa necessidade aproxima Adorno, no calor dos debates, a autores como Georg Simmel, Walter Benjamin, Georg Lukács e Ernst Bloch, entre outros grandes nomes da crítica do século XX. Mas a solução dada por Adorno é única, sem dúvida em razão de sua proximidade com o conturbado panorama musical dos anos 20.


“A música não deve enfeitar, mas sim ser verdadeira.” Essa é uma frase de Schoenberg que se tornará um lema para Adorno. O que ela significa? Qual é o nexo que Adorno estabelece entre “música” e “verdade”?

Almeida : Essa frase, tão citada, nasce de um contexto prosaico. Em uma aula, Schoenberg acabou corrigindo um de seus alunos, Karl Linke, que pretendia “vestir” uma melodia relativamente simples com uma harmonia extremamente complicada. Utilizando o bom e velho método socrático, dialético por natureza, o professor acabou convencendo o aluno de que isso contrariava o sentido geral da composição. A falsa solução destruía a “consistência interna” da obra, que deveria permanecer como o ideal a ser buscado por qualquer artista digno de sua arte.

A crítica de Schoenberg às soluções falsas ou arbitrárias, não justificadas pela coerência e necessidade da obra, é depois retomada por Adorno, que encontra nela um modelo para sua proposta de “crítica imanente”, ou seja, a capacidade de perceber o quanto cada obra, não tanto pelos seus acertos, mas em suas fissuras e dificuldades, enfrenta a cada compasso, linha ou pincelada, problemas artísticos que são análogos a problemas do processo social como um todo.

A “verdade” ou “falsidade” de cada peça, explicitada pela crítica, diz muito sobre o mundo, por isso a arte não deveria ser vista como um simples enfeite ou reduzida a mero entretenimento.

Em um sentido parecido, Kandinsky falava em forma “correta”; Adolf Loos criticava os ornamentos como crime, e Karl Kraus, escritor muito próximo a Schoenberg, pretendia “salvar a verdade contida na linguagem”. Todos buscavam respostas para um momento em que, com a derrocada das formas tradicionais, cada obra deveria criar e justificar sua própria forma, o que não é nada fácil.


Adorno fala de “perda da veracidade” da arte expressionista alemã. Por causa da “perda de veracidade”, o Expressionismo se tornou um momento decisivo nas reflexões sobre arte e política?

Almeida : Sim, você tem razão. O Expressionismo pretendia a enunciação plena e imediata do Eu, e por isso os expressionistas jamais gostaram de ser tratados como um grupo coeso, já que viam com enorme desconfiança noções como “escola” ou “movimento” e mesmo a prática dos manifestos (o que os diferenciava, entre outros tantos aspectos, dos futuristas e dos dadaístas).

A primeira coletânea de poesia expressionista, publicada no final da década de 1910, afirmava em seu prefácio que, “no lusco-fusco do crepúsculo da humanidade”, se faria ouvir pela primeira vez “o acorde dissonante da nova geração”, as várias e distintas vozes de um conjunto heterogêneo de poetas, que não podiam mais ser reduzidas a um princípio estilístico geral.

Esse é justamente o problema: se cada poeta buscava sua própria voz, matando a figura do pai (a autoridade da tradição, da pátria –"Vaterland "–, dos valores burgueses etc.), como ainda se faria entender pelos outros, já que as formas e a própria linguagem não são criações unicamente individuais? Como conciliar a liberdade artística, que haviam acabado de conquistar, com a necessidade de comunicação e sentido?

Essa é a questão levantada historicamente pelos expressionistas, que será respondida, nos anos 20, em dois caminhos diferentes: a radicalização das vanguardas, que destroem a própria noção tradicional de “obra” e “sentido”, implodindo até mesmo o “eu” expressionista; e a reação neoclássica, que gostaria de recuperar um “nós” abstrato para se contrapor a esse “eu” isolado e supostamente arrogante.

Não por acaso a arte nazista e fascista, em defesa dos valores da “comunidade”, recupera formas e temas clássicos, dando a eles um ar de “modernidade” anacrônica. O jovem Adorno, assim como Walter Benjamin e tantos outros artistas e críticos, estava muito atento a esse problema, num momento em que arte e política não podiam ser tratadas como âmbitos separados.


No capítulo em que trata do “estilo”, você observa que Schoenberg, embora considerado como “o pai do pensamento atonal”, rejeitava esse termo e preferia se referir ao rompimento com as normas básicas do sistema tonal como “emancipação da dissonância”. Isso se deve a questões meramente semânticas? Em que medida ele estava correto, quando se considera que o termo “atonalismo” sobreviveu à sua rejeição?


Almeida : Schoenberg realmente não apreciava o termo “música atonal”, até mesmo antes de o “atonalismo” ser transformado em escola. Irônico, ele dizia que chamar uma música de “atonal” seria o mesmo que chamar o vôo de “a arte de não cair”, ou a natação “a arte de não se afogar”.

O rompimento com o sistema tonal seria para ele uma evolução necessária da história da “música nacional” (e nisso ele era bastante germânico, pois sua história ia de Bach a ele próprio, passando por Mozart, Beethoven, Brahms e Wagner). Como o termo “atonalismo” ressaltava apenas um aspecto negativo dessa fase mais recente, que havia superado definitivamente os fundamentos rígidos do sistema tonal, ele preferia a expressão “emancipação da dissonância”.

Essa emancipação, por si só, não diria nada a respeito da qualidade, ou “verdade”, de cada peça. Não bastava evitar cadências tonais para criar boa música, muito pelo contrário. Quanto maior a liberdade, maior o rigor exigido do compositor, já que a maioria das formas tradicionais estava baseada em pressupostos tonais (como, por exemplo, a forma-sonata).

Resumindo muito, e deixando os exemplos para quem ler o livro, poderíamos dizer que, quando tudo finalmente se torna possível, cada passo deve ser justificado; assim, cada forma deve legitimar a si mesma, sem o recurso a formas antigas, cujos pressupostos, artísticos e sociais, foram superados. Daí para a “técnica de composição com 12 sons” (pois Schoenberg também rejeitava o termo “dodecafonismo”) foi um passo que, entretanto, gerou muitos tropeços.


No livro você abre amplo espaço para tratar das diferenças entre Schoenberg e Stravinsky. No que as diferenças entre eles são importantes para se apreender a posição em que se coloca Adorno nos debates dos anos 20? Visto que ambos se impuseram como figuras de realce na criação artística do século XX, que objeções se pode fazer à defesa de Schoenberg feita por Adorno?

Almeida : Essa questão é importante e complicada, até porque Schoenberg e Stravinsky serão os polos antagônicos da "Filosofia da Nova Música", livro publicado por Adorno no fim da década de 1940, mas baseado em grande parte na produção crítica da década de 20. É preciso, antes de tudo, lembrar que as obras de Schoenberg e de Stravinsky são vastas e muito diferenciadas, justamente em razão da crise do “estilo” em geral, que também afeta a produção de cada compositor isoladamente.

Há um longo caminho entre os "Gurre-Lieder" e o "Quinteto Op. 26", que também passa por "Pierrot Lunaire"; assim como é grande a distância entre a "Sagração da Primavera" e o oratório monumental "Oedipus Rex", quase uma antítese da sarcástica "História do Soldado".

A oposição tratada por Adorno não é abstrata; diz respeito ao contraste das soluções apresentadas pelos dois grandes compositores, que ele sempre reconheceu como tais. A crítica, mais do que uma mera questão de gosto, também aqui é dialética: só a contradição entre Schoenberg e Stravinsky pode iluminar a Nova Música como um todo, e os caminhos que, no interior desse termo genérico, cada um dos compositores tomou.

Nos anos 20, de fato, Adorno defendia, como leal aluno de Alban Berg, o caminho apontado por Schoenberg, ligado à tradição alemã e a uma concepção de forma inteiramente construída pelo procedimento da “variação em desenvolvimento”, herança de Beethoven e Brahms, mas que incorporava as conquistas harmônicas de Wagner.

O espírito de Stravinsky é completamente outro, baseado essencialmente em procedimentos como a montagem e a seqüência, o que o aproxima, por exemplo, na "História do Soldado", das diatribes dadaístas. Mas não podemos esquecer que, em busca de um solo mais firme, justamente nos anos 20, Schoenberg desenvolveu o dodecafonismo e Stravinsky retornou a formas pré-clássicas.

Não é por acaso que, nessa época, ambos compõem suítes. Essas guinadas são objeto de duras críticas por parte de Adorno, que reconhecia aí uma tendência geral de sistematização e cancelamento da liberdade anterior, paralela e análoga ao movimento de controle da sociedade “completamente administrada”. Depois, no exílio americano, essas observações serão cruciais para o desenvolvimento, em conjunto com Max Horkheimer, das idéias que fundamentam a "Dialética do Esclarecimento".


A ópera "Wozzeck", de Alban Berg, foi recebida em suas primeiras execuções com pesadas críticas. Por que Adorno se entusiasmou tanto por essa obra de Berg? No contexto da época, que questões estavam envolvidas para que ela tivesse impacto tão negativo?

Almeida : Depois de ouvir uma apresentação dos fragmentos do "Wozzeck" em Frankfurt, Adorno viajou a Viena para ter aulas de composição com Berg, por sua vez aluno de Schoenberg. Não sei se você sabe, mas Adorno estudava piano e música desde criança, por influência da mãe e da tia, cantora lírica. Era um excelente pianista, que “tinha nos dedos” os dois volumes do cravo bem temperado antes de completar 18 anos! Não é pouca coisa. Pois bem, Berg o aceitou como aluno, e ele acompanhou com o mestre várias das estréias da ópera: em Berlim, Frankfurt e Praga. O que ele mais admirava na obra era o equilíbrio entre construção e expressão, entre subjetividade e objetividade da forma.

A ópera enquanto gênero, desde meados do século XIX, estava em uma encruzilhada, pois uma vez apagada completamente a diferenciação entre as costumeiras árias e recitativos, e rompida a base harmônica tonal que guiava as curvas melódicas, toda a música tinha de ser composta a partir de algum elemento que pudesse dar forma ao todo.

Wagner encontrou uma solução unindo texto e música na figura do leitmotiv, motivos associados a determinados sentimentos ou personagens, que retornam e se sobrepõem durante a ação. Outros trilharam caminhos diferentes, sempre estabelecendo alguma relação estrutural entre texto e música.

Explico isso com mais detalhes no livro, pois é um tema bem interessante. Ora, Berg conseguiu compor uma ópera inteira, relativamente longa, incluindo nela uma sucessão de diferentes formas da música tradicionalmente chamada “absoluta”.

Temos então, de forma inteiramente adequada à ação dramática, momentos que seguem a estrutura de uma forma-sonata, de um concerto, uma suíte, um tema com variações etc. A solução é engenhosa, mas sua realização musical é ainda mais impressionante, pois o resultado consegue estar à altura da grande peça de Büchner que deu origem ao libreto.


Você dedica um capítulo à “música utilitária”. O que é “música utilitária” e qual sua importância para se entender os debates sobre música e verdade nos anos 20?


Almeida : Durante toda a década de 1920, Adorno acompanhou, como crítico, os festivais organizados pela Sociedade Internacional de Música Contemporânea. A partir dos encontros de 1923, ele fica surpreso com a quantidade de obras que se recusavam a ser simplesmente “apreciadas” em uma sala de concerto.

Compositores tão diferentes quanto Stravinsky, Casella, Milhaud, Eisler e Hindemith passaram a compor obras destinadas a diferentes “usos”: música para cinema, música para mesa; música didática; música política; e até mesmo música como mobília, em uma curiosa experiência de Satie e Milhaud, que fracassou, porque o público, sem seguir as orientações do panfleto, acabou prestando atenção ao que era tocado pelos músicos!

O novo ideal da “música utilitária” não queria apenas aproximar a música do público, mas também romper com a própria diferença entre músico e público, defendendo tanto a música amadora quanto a música “cotidiana”, o que exigiria um novo modo de apreensão, mais distraído e menos ritualizado.

Adorno, não preciso dizer, é muito crítico em relação a isso, pois vê no movimento um duplo perigo: a completa mercantilização da música, na transformação de seu “valor de uso” em mero “valor de troca”; e a vocação totalitária, à direita e à esquerda, da simplificação necessária para a composição de músicas destinadas à propaganda política. Esse debate continuou vivo mesmo após a Segunda Guerra, e hoje está novamente na ordem do dia.


Outro conceito que você explora no livro é o de “material”. Por que esse conceito é relevante para se entender que “a música cumpre mais precisamente sua função social quando passa a expor, em seu próprio material e segundo suas próprias leis formais, os problemas da sociedade, que estão contidos, em seus mais íntimos elementos, em sua técnica”?

Almeida : Os debates com o crítico e compositor Ernst Krenek, no início dos anos 30, são fundamentais para que Adorno consiga, algum tempo depois, solucionar de modo interessante as questões que afetavam toda a crítica durante os conturbados anos 20. Como pensar adequadamente o problema da mediação entre arte e sociedade, sem recorrer a conceitos genéricos de “estilos de época” nem assumir uma posição meramente externa, tematizando a posição social e política dos artistas, os temas tratados nas obras etc.?

No caso da música, arte essencialmente não conceitual, isso era ainda mais complicado. Para superar a tradicional contraposição entre forma e conteúdo, que agora girava em falso, Adorno recupera um conceito importante da teoria musical, o de “material”. A concepção de um “material musical” já havia sido muito discutida por teóricos como Guido Adler, Hanslick e mesmo Max Weber, que dedica um importante ensaio ao assunto.

Na década de 20, a questão era polêmica, porque a posição teórica gerava fortes argumentos para justificar as diversas correntes musicais que na época estavam em conflito, disputando um eventual “futuro da música”.

Resumindo novamente, podemos dizer que havia três posições em jogo: alguns achavam, como Krenek, que o “material” enfim passava a englobar todos os meios de expressão que o compositor tinha à disposição; outros, como Hindemith, buscavam fundamentos físico-fisiológicos para estabelecer recortes nesse conjunto mais amplo; por fim, seguindo a visão de Schoenberg, Adorno insistia na historicidade do “material”, que envolveria não apenas as possibilidades de relações harmônicas, mas as próprias formas desenvolvidas durante a história da música. Ou seja, cada som, cada acorde, cada cadência, cada timbre e cada forma trariam em si toda a história da música. E isso tinha de ser levado em conta pelo compositor.

Alguns acordes, como o de sétima diminuta, haviam se desgastado com o tempo; outros, agora, só se justificavam em função do decurso polifônico que os havia configurado na própria peça. Tanto a composição quanto a recepção de cada música (e qualquer obra de arte) seria um assunto da história, e por isso tinha a ver com a história da sociedade como um todo.

Daí a idéia de “crítica imanente”, ou seja, o crítico deveria mergulhar mais fundo na obra para encontrar, ali, a própria sociedade, que dá forma, no sentido mais amplo, ao material. Falar é fácil, mas realizar a crítica imanente, evitando reducionismos e chegando ao cerne da questão, é algo complicado, que requer um profundo conhecimento da história da arte e ainda uma extensa reflexão sobre a sociedade e a história. De qualquer modo, Adorno escreve ensaios brilhantes nesse sentido, não apenas sobre música, mas também sobre literatura, principalmente a partir da década da Segunda Guerra.


A se considerar a atualidade da obra de Adorno, a articulação que ele propõe entre filosofia e música, com as proposições que você defende, qual é a recepção esperada para o livro?

Almeida : No Brasil, Adorno é um pensador fundamental em todo o debate das ciências humanas, da teoria literária à sociologia, passando também pela filosofia e pela crítica cultural. Muitos trabalhos importantes sobre sua obra já foram escritos e publicados entre nós e, ao lado de Walter Benjamin, Adorno é bibliografia constante em vários cursos.

É interessante notar o quanto, mesmo assim, ele é atacado sem mais, principalmente por suas críticas ao jazz e suas idéias sobre indústria cultural (termo que ele cunhou na década de 40). Por outro lado, também é lido na academia, às vezes, como algo que ele nunca pretendeu ser: o fundador de um método de interpretação geral da arte e da sociedade ou o criador de um sistema filosófico completo. Ora, a Teoria Crítica, desde o início, buscava justamente se contrapor a esse tipo de pensamento classificador e dogmatizante.

O importante, na leitura de Adorno, é aprender a pensar de maneira inteligente e crítica os problemas que cada época propõe. O próprio Adorno mudou de idéia várias vezes, sobre vários assuntos, e nunca achou que isso fosse um defeito, pois acreditava no “núcleo temporal da verdade”, base da própria reflexão dialética, que assume sempre o fundamento histórico de cada obra ou reflexão.

Espero com meu livro contribuir para que a obra de Adorno seja lida sempre como uma reflexão ligada a objetos e problemas históricos específicos, que devem ser conhecidos e estudados para que as posições do filósofo não se percam em abstrações sem sentido. Adorno é um autor difícil, porque sua leitura demanda não apenas o conhecimento de uma complicada terminologia filosófica alemã, mas também porque ele tinha um conhecimento extenso e profundo de várias áreas do saber, cuja separação é uma das bases da ciência tradicional feita hoje nas universidades.

Assim, alguns filósofos acham que podem ler a "Teoria Estética", última grande obra de Adorno, passando por cima de todas as centenas de referências à história da arte, da literatura e da música, já que estas são vistas como meros “exemplos” de uma suposta concepção filosófica mais geral; por outro lado, sociólogos e críticos de arte folheiam os livros de Adorno em busca de reflexões pontuais sobre determinados assuntos e autores, perdendo de vista o contexto mais amplo da argumentação, que organiza a reflexão sobre esses temas.

O importante, de qualquer modo, é ler Adorno não para simplesmente “conhecer Adorno”, mas sim para aprofundar as questões e, no melhor espírito do ensaio, dizer algo relevante sobre o mundo. Talvez esse seja o sentido mais profundo do termo “crítica dialética”, que procurei estudar em meu livro.

Publicado em 16/3/2008

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Humberto Pereira da Silva
É professor de filosofia e sociologia no ensino superior e crítico de cinema, autor de "Ir ao cinema: um olhar sobre filmes" (Musa Editora).

quinta-feira, março 13, 2008

Guerra contra a Web lidera lista de gafes da indústria da música

LOS ANGELES (Reuters) - O caçador de talentos que rejeitou os Beatles foi considerado por muito tempo como responsável pela maior gafe na história do setor de música. Mas a mancada bilionária de Dick Rowe foi superada, na lista da revista Blender sobre "os 20 maiores erros das gravadoras em todos os tempos", pelo fracasso do setor em aproveitar a Internet.

As grandes gravadoras conquistaram a desonra ao forçar o serviço de troca de arquivos Napster a sair do mercado, em 2001, em lugar de descobrir uma maneira de ganhar dinheiro com suas dezenas de milhões de usuários.

Os praticantes de downloads simplesmente se espalharam por centenas de outros sites, e setor está em queda livre desde então."A campanha das gravadoras para impedir que sua música fosse distribuída gratuitamente via Internet era o equivalente a tentar deter um furacão com uma rolha -- mais de um bilhão de arquivos são trocados por mês em redes de troca de arquivos", afirmou a Blender em sua reportagem.

Rowe ficou em segundo lugar por recusar os Beatles, depois que a banda, despreparada, realizou uma audição desastrosa em 1962.

O empresário dos Beatles, Brian Epstein, mais tarde contaria que o executivo da Decca Records lhe havia dito que "grupos com guitarras estão saindo de moda", comentário que Rowe sempre negou ter feito. Ele posteriormente assinaria com os Rolling Stones.

O fundador da Motown, Berry Gordy, ficou no terceiro lugar, porque vendeu a gravadora das Supremes e de Marvin Gaye, que na época estava perdendo dinheiro, por cerca de 60 milhões de dólares, em 1988.

No ano seguinte, a A&M Records seria vendida por cerca de 500 milhões de dólares. E David Geffen recebeu cerca de 700 milhões de dólares em 1990 pela Geffen Records. Gordy, porém, manteve os direitos autorais sobre o catálogo de sua gravadora.

A Geffen Records aparece duas vezes na lista: em 11o lugar, por processar Neil Young nos anos 1980 alegando que a música que ele vinha gravando era pouco comercial, e em 12o por investir supostos 13 milhões de dólares em um álbum do Guns'n'Roses que ainda não saiu, depois de mais de uma década de trabalho.

Outros ocupantes da lista da vergonha incluem a Columbia Records, em 10o lugar, por ter dispensado Alicia Keys e 50 Cent antes que estes fizessem sucesso, e a Warner Bros. Records, por um contrato de 80 milhões de dólares com o grupo R. E. M., em 1996, que só lhe trouxe prejuízo.

(Por Dean Goodman)

terça-feira, março 11, 2008

vc eh velho d+: O conflito de gerações chega à era do SMS

Laura M. Holson

Como presidente da unidade de publicação de livros e revistas da Walt Disney Co., Russell Hampton sabe algumas coisas sobre adolescentes. Ou assim pensava até o dia em que estava levando sua filha de 14 anos, Katie, e duas amigas ao teatro, no ano passado em Los Angeles.

"Katie e suas amigas estavam sentadas no banco de trás, conversando sobre algum astro do cinema; acho que era Orlando Bloom", lembra-se Hampton, cuja empresa produziu "Piratas do Caribe", no qual o ator trabalhou. "Fiz algum comentário sobre ele, não me lembro exatamente qual, mas recebi aquele suspiro gutural típico de adolescente, e Katie revirou os olhos para mim, como se dissesse: 'Ai pai, você está tão por fora.'"

Depois disso, a conversa no banco de trás parou. Quando Hampton olhou pelo espelho retrovisor, viu a filha enviando uma mensagem de texto em seu telefone celular. "Katie, você não deveria ficar mandando mensagens o tempo todo", lembra-se de ter dito a ela. "Você está com suas amigas. É falta de educação". Katie revirou os olhos de novo.

"Mas pai, estamos mandando mensagens uma para outra", ela respondeu. "Não quero que você ouça o que estou dizendo".

Corrigido pela filha, Hampton voltou sua atenção para a estrada. É uma cena comum atualmente, que se desenrola em carros, cozinhas e quartos de dormir em todo o país.

Cada vez mais, as crianças dependem de seus aparelhos eletrônicos como telefone celular para se definir e criar círculos sociais separados de suas famílias, mudando a forma que se comunicam com os pais. As inovações, é claro, sempre geraram amplas mudanças na sociedade. Quando os telefones se tornaram comuns no século passado, os usuários -adultos e adolescentes- encontraram uma espécie de privacidade e fácil comunicação desconhecida para Alexander Graham Bell ou suas filhas.

O automóvel acabou inaugurando uma era em que os adolescentes podiam sair para namorar longe dos "chaperones". E o computador, junto com a Internet, deu até a crianças muito novas vidas virtuais distintamente separadas dos pais e dos irmãos.

Analistas de empresas e outros pesquisadores acreditam que a popularidade do telefone celular -junto com a mobilidade e intimidade que permite- acelerará ainda mais essas tendências. Até 2010, 81% dos americanos de 5 a 24 anos terão um telefone celular, subindo de 53% em 2005, de acordo com o IDC, empresa de pesquisa em Framingham, Massachusetts, que acompanha o setor. Psicólogos sociais como Sherry Turkle, professora do MIT, que estudou o impacto social das comunicações móveis, diz que essas tendências provavelmente continuarão, enquanto os telefones celulares vão se transformando em minicomputadores de mão, formadores de rede social e telas de cinema.

"Para as crianças, tornou-se um objeto que formula a identidade e modifica a psique", disse Turkle. "Ninguém cria uma nova tecnologia compreendendo realmente como será usada ou como poderá mudar uma sociedade".

Os fabricantes de telefones celulares ficam felizes em preencher essa nova lacuna de geração. No último outono, a Firefly Mobile introduziu o glowPhone para a pré-escola. O aparelho tem um pequeno teclado com dois botões de discagem automática, um com uma imagem de uma mãe e outro de um pai. A AT&T promove seu serviço sem fio com comerciais de televisão que zombam de uma mãe que não compreende o vernáculo de telefone celular da filha.

O IDC diz que a renda de serviços e produtos vendidos para consumidores jovens e seus pais deve crescer para US$ 29 bilhões (cerca de R$ 58 bilhões) em 2010, subindo de US$ 21 bilhões (aproximadamente R$ 42 bilhões) em 2005. Até agora, o celular tem mais vantagens do que desvantagens para a família, pois permite que os pais atinjam seus filhos a qualquer momento. Hampton, que é divorciado, diz que é fácil entrar em contato com Katie, apesar de viverem em fusos horários diferentes. E alunos universitários que estão sempre sem tempo, como Ben Blanton, calouro que joga beisebol na Universidade Vanderbilt em Nashville, Tennessee, envia mensagens aos pais pedindo para fazerem favores ou apenas para dizer oi.

"Um SMS fica entre ligar e enviar um e-mail", explicou, enquanto fazia uma pausa nos estudos. Agora, ele nem pensa em escrever uma carta para a mãe. "Toma muito tempo", disse ele. "Você tem que ir até o correio. Em vez disso, posso ficar sentado assistindo televisão e enviar um SMS, que é a mesma coisa."

Como acontece com qualquer mudança cultural envolvendo pais e filhos -o nascimento do rock e a revolução sexual dos anos 60, por exemplo- surgem vários vãos. A geração do baby boom, que décadas atrás advertiu que não dava para confiar em seus pais desconectados, agora algumas vezes se encontra criando filhos que -graças à Internet pelo telefone celular- também consideram mamãe e papai fora de sintonia. Os telefones celulares, a mensagem instantânea, a mensagem eletrônica e similares estimulam o usuários mais jovens a criarem uma linguagem escrita muito criativa, estranha e privada. Isso deu a eles uma oportunidade de essencialmente esconderem-se em plena vista. Eles estão mais conectados do que nunca, mas também muito mais independentes.

Em alguns casos, eles podem ficar mais alienados daqueles mais próximos deles, disse Anita Gurian, psicóloga e editora de AboutOurKids.org, site da Web do centro de Estudos Infantis da Universidade de Nova York.

"Os telefones celulares exigem um envolvimento diferente dos pais", disse ela. "Os jovens podem fazer muitas coisas na frente dos pais sem saberem." Certamente que os pais sempre estiveram preocupados com o bem-estar dos filhos, sua independência e comportamento -e o aumento da oferta de telefone celular é apenas a mais recente mudança nessa dinâmica.

Os desdobramentos levaram as empresas de comunicação a educar os pais sobre como melhor estar em contato com os filhos. Em uma pesquisa divulgada há 18 meses, a AT&T descobriu que, entre 1.175 pais, quase metade aprendeu a enviar mensagens de texto com os filhos. Mais de 60% dos pais concordaram que o celular ajuda na comunicação, mas que seus filhos, algumas vezes, não queriam ouvir sua voz de forma alguma. Quando perguntados se seus filhos preferiam receber uma ligação ou um SMS pedindo que voltassem para casa no horário combinado, por exemplo, 58% dos pais disseram que os filhos preferiam um SMS.

"Só porque você pode alcançá-los, não significa que responderão", disse Amanda Lenhart, pesquisadora especialista do Projeto Pew de Internet e Vida Americana, que está estudando o impacto da tecnologia sobre os adolescentes. "Os telefones celulares dão aos adolescentes uma vida mais privada. Seus pais não escutam todas suas conversas". As mensagens de texto, em particular, se tornaram um código desta geração. Para os pais espantados, a AT&T oferece um manual que decodifica as abreviações criadas para manter os pais no escuro. "Os adolescentes às vezes usam linguagem para que os pais não entendam suas conversas, tornando seus comentários indecifráveis", diz o tutorial. Algumas das abreviações usadas pelos jovens são: POS (das iniciais em inglês para "pai sobre seu ombro"), PRW ("pais estão olhando") e KPC ("mantendo os pais no escuro").

Savannah Pence, 15, diz que quer manter contato com os pais -mas também quer mantê-los a uma certa distância. Ela diz que o pai, John, só permitiu que ela e seu irmão de 19 anos, Alex, tivessem celulares no ensino médio, diferentemente dos amigos que desde o quinto ano já tinham telefones. Apesar de Savannah descrever seu relacionamento com os pais como próximo, ela ainda prefere manter seu espaço.

"Eu não envio muitas mensagens na frente dos meus pais, porque eles lêem" o que escrevo, disse ela. E quando perguntam quem está no telefone? "Eu simplesmente digo 'gente'. Aí não perguntam mais."

A princípio, John Pence, proprietário de um restaurante em Portland, Oregon, não soube sobre como se relacionar com a filha. "Eu não sabia como me comunicar com ela", disse Pence. "Tive que aprender." Então, ele fez um curso de SMS -com Savannah. Até agora, contudo, ele sabe digitar rapidamente apenas algumas palavras ou frases: onde você está? Por que não me ligou? Quando virá para casa?

Quando sua filha faz uma pergunta, ele em geral usa a mesma resposta: "Ok", para ser bem curto. "Eu ainda não usei ponto de interrogação". Ele diz que teve que aprender como enviar mensagens porque sua filha não retornava suas ligações. "Eu não deixo mensagem", disse ele, "porque ela sabe que sou eu".

Savannah disse que envia ao pai ao menos duas ou três mensagens por dia. "Não posso fazer perguntas, porque ele é lento demais", disse ela. "Ele usa palavras simples". Por outro lado, sua mãe, Caprial, é mais eficiente em enviar mensagens e pergunta como foi seu dia no colégio ou como estão suas amigas. (Sua mãe deve sua maior capacidade em digitar texto ao fato de ser ágil datilógrafa.)

Logo no início, os pais de Savannah não tinham regras estabelecidas. Primeiro, eles baniram o uso do celular à mesa de jantar e depois quando a família assistia televisão, porque John Pence se preocupava com as distrações. "Eles ficam inconscientes da sua presença", disse ele.

Pence tem bastante consciência de como os telefones celulares, iPods e jogos eletrônicos podem ser desestabilizadores nas relações familiares. "Vejo as crianças enviando SMS por debaixo da mesa nos restaurantes", disse. "Eles não ensinam mais a etiqueta". Algumas crianças, disse ele, até assistem vídeos nos restaurantes.

"Elas não sabem que é hora de conversar", disse ele. "Gostaria de me aproximar dessas mesas e dizer: crianças, guardem seus celulares e iPods e conversem com seus pais."

Contudo, até ele descobriu que impor regras é mais difícil do que se imagina. Ele permitiu que Savannah enviasse mensagens de texto enquanto assistia televisão, depois que a viu usando um cobertor no colo para esconder que estava enviando mensagens aos amigos. "Ou permitia que ficassem na mesma sala e enviassem mensagens ou não permitia, e eles partiriam", disse Pence. "São bons meninos, mas você tem que saber o que estão fazendo".

Outras famílias enfrentam desafios similares


Em 1999, Marie Gallick contratou um plano de família para ela e seus três filhos e descobriu que cada um deles tinha uma abordagem diferente no uso do telefone celular. Um de seus filhos gosta de falar, disse ela, enquanto o outro, Brandon, que mora perto da casa dela em Raritan, Nova Jersey, prefere enviar SMS. A freqüência da comunicação depende do humor deles, disse ela. Ela descobriu que tinha que tomar cuidado com o que dizia.

"Há emoção por trás", disse ela. Certa vez, um de seus filhos não atendeu o telefone quando ela ligou. Então, ela enviou mensagem dizendo: "LEGAL DE SUA PARTE LIGAR O TELEFONE".

"Eles acharam que eu estava irada", disse ela. Gallick não sabia que usar letras maiúsculas era o mesmo que gritar. (Ela disse que teve o mesmo problema quando começou a usar e-mail e que talvez seu problema seja mais de adaptação às tecnologias digitais do que de comunicação com os filhos.)

Brenda Ng, vice-presidente do setor de consumidor da T-Mobile, provedora de celular, disse que estudos de sua empresa mostram que, apesar do uso de telefone celular poder causar divisão também é "a cola" que cimenta os relacionamentos. "Talvez pareça lugar comum, mas mantém as pessoas unidas", disse Ng.

Considere o seguinte: Brandon Gallick, que tem 23 anos, lembra-se de uma noite no ano passado quando estava indo para casa em uma estrada perto de Hillsborough, Nova Jersey, e um grande burro passou na frente de seu carro. Ele não conseguiu esperar para ligar para a mãe. "Tive que mandar um texto para minha mãe naquele instante", disse ele, observando que também enviou mensagens para os amigos. "Queria contar a ela porque foi tão engraçado. A gente não vê muitos burros em Nova Jersey".

Marie Gallick gostou da mensagem. "Gosto quando faz isso", disse ela. "Faz-me sentir especial". Ainda assim há o problema da dificuldade de comunicação.

"Precisei de cinco mensagens antes de entender o que realmente significava", disse ela. "Acaba que você tem que enviar mais mensagens para entender o que outro quer dizer do que se você simplesmente usasse o telefone. Constantemente, você tem que perguntar o que você queria dizer? É uma forma de alienação ao mesmo tempo em que nos mantém em contato".

De fato, enviar SMS parece ser mais fácil do que falar para alguns usuários de celular, dando-lhes outra distração dentro de seus carros. Blanton em Vanderbilt, como muitos de seus colegas, envia mensagens para sua mãe e amigos mesmo quando suas duas mãos deveriam estar ao volante.

"Posso enviar um texto sem olhar para o telefone", disse ele. "Com certeza não é seguro. Algumas vezes eu olho em volta e não me lembro por onde passei."

Turkle, a professora do MIT, diz que os telefones oferecem outra forma para a geração do Facebook compartilhar toda e qualquer experiência de vida assim que ela acontece.

"Há uma diferença entre 'eu tenho a sensação que quero ligar' para 'preciso ligar'", disse ela. "Não dá mais tempo de ter uma sensação antes de compartilhar essa sensação."

Turkle lembra-se de umas férias que passou com sua filha em Paris, onde ela esperava mergulhar na cultura e na cozinha local. "Parte da idéia de Paris era ser Paris", disse Turkle. Contudo, durante um passeio à tarde, sua filha recebeu várias ligações e mensagens de texto em seu telefone celular de amigos em Boston. Sua filha sentiu-se compelida a responder todas.

Quando Turkle perguntou por que ela não desligava o telefone e apreciava a cidade, sua filha disse: "Sinto-me mais confortável conversando com meus amigos". Mas os amigos da filha nem queriam realmente conversar. "Eles só querem saber onde você está", disse Turkle. "É uma nova sensibilidade".

É uma nova sensibilidade em muitas frentes. Jan Blanton disse que seu relacionamento com o filho, Ben, é mais próximo por que o celular torna a conexão tão simples. Isso a levou a refletir em seu relacionamento com seus próprios pais.

No início dos anos 80, quando ela saiu de casa para fazer a faculdade, seu relacionamento com os pais ficou prejudicado. "Não tínhamos uma comunicação aberta", disse ela. "Eu não era próxima deles; ligava uma vez por semana, talvez. Meus pais ficavam felizes quando estávamos fora de casa".

Blanton se pergunta se as coisas teriam sido diferentes se houvesse SMS na época. Seu filho hoje envia mensagens freqüentemente para o avô, discutindo beisebol e pescaria. "Escrevo melhor do que falo", disse Blanton, cujo relacionamento com os pais hoje é próximo. "Acho que teríamos tido uma experiência melhor".

É provável que, em alguns anos, membros mais jovens dos letrados digitais considerarão os telefones celulares atuais como relíquias. Muitos consumidores estão cada vez mais atentos às tendências em aparelhos tecnológicos, e os analistas dizem que as crianças e adolescentes têm maior chance de sempre buscar algo novo.

Hampton diz que sua filha Katie recentemente pediu um BlackBerry para poder enviar e-mail aos amigos e ter acesso livre à Internet.

"Eu disse não", lembra-se ele. "Não é necessário".

Mas novamente, disse Hampton, talvez mude de idéia. "Ninguém ensina aos jovens como usar essas coisas", disse ele. "Mas, para ser justo, os adultos tampouco sabem usá-las".

Tradução: Deborah Weinberg

Brasileiros sofrem para entrar na Espanha há anos, diz pesquisadora


GABRIELA MANZINI
da Folha Online


Faz tempo que os brasileiros sofrem para entrar na Espanha, de acordo com a jornalista Dalva Aleixo Dias, que conclui uma tese de doutorado pela Universidade de La Laguna, na Espanha, sobre a imagem dos brasileiros na imprensa espanhola. "Quantas pessoas foram maltratadas antes que essas histórias mais recentes fossem publicadas? Isso só veio à tona porque, agora, há universidades por trás."

Na semana passada, dois mestrandos foram barrados ao passar por Madri (Espanha) com destino a Lisboa (Portugal). O caso detonou um mal-estar entre Brasil e Espanha no que diz respeito à imigração.

Segundo Dias, no período em que ela morou na Espanha, entre 1996 e 1999, a imprensa espanhola publicou casos de uma brasileira estuprada pelos policiais da imigração e de um brasileiro que não agüentou a pressão da investigação para entrar no país --que já durava dois ou três dias-- e se enforcou, no aeroporto.

No mesmo período, Dias afirma que teve a sua permanência no país ameaçada após um bate-boca com um funcionário do setor de imigração --ele mandou que ela voltasse "de vez" para o Brasil-- e teve a filha de 5 anos empurrada escada abaixo por um grupo de colegas de escola que, havia alguns dias, a chamavam de "porca americana".

Ela conta que os espanhóis mantêm um estereótipo de que os brasileiros ou são do mundo do espetáculo (profissionais de capoeira ou samba) ou da prostituição. "Depois de um tempo, convencidos de que eu era diferente, arrumaram uma maneira de me 'espanholar'. Eu passei a ser 'Dalba' e não 'Dalva'; 'Alexio' e não 'Aleixo'; 'Diaz' e não 'Dias'. E se você é branco e tem ascendência européia, não é considerado brasileiro. É um europeu que, por acaso, nasceu no Brasil. Daí, vale a lei do sangue."

Para Dias, o preconceito contra os brasileiros é conseqüência da péssima imagem do país no exterior. "Para eles, nós sempre fomos um destino exótico no qual nós éramos os selvagens e eles, os evoluídos. De repente, na década de 80, eles se tornaram o destino, entraram numa crise financeira e se sentiram invadidos. O imigrante, fragilizado, virou bode expiatório para justificar o que eles não conseguem resolver."

De acordo com a pesquisadora, na análise da imprensa espanhola, ela concluiu que, lá, a vida dos brasileiros "não vale nada". "Se uma brasileira é morta, ela seduziu alguém e foi um crime passional. Se um brasileiro é morto, ou ele era homossexual e seduziu alguém --e foi crime passional-- ou ele era traficante --e foi queima de arquivo."

Dias afirma que a má imagem é fruto, principalmente, de uma propaganda institucional ruim; das histórias de violência que a imprensa brasileira passa à européia; e da vantagem que os espanhóis levam no mercado turístico, quando depreciam o Brasil. "Nas ilhas Canárias, eles patentearam a marca Carnaval e contrataram brasileiros para ensinar a sambar, costurar fantasias e compor sambas-enredo. Eles, agora, dizem que têm o segundo maior Carnaval do mundo, com a vantagem da segurança."

Tratado

Nos últimos dez anos, a situação melhorou, na opinião da pesquisadora. Ela afirma que, cada vez mais, os imigrantes deixam de ser vistos como "ladrões de empregos" para serem vistos como fator de impulso para a economia. "Com a entrada do capital espanhol no Brasil, nós viramos parceiros. E o Brasil tem crescido em questões políticas, diplomáticas."

O primeiro passo para a solução do problema, para a pesquisadora, seria a criação de um tratado de tratamento de imigrantes. "No Brasil, nós fazemos um esforço absurdo para falar no idioma deles, para que eles nos entendam, para que se sintam em casa. Não somos cordiais, somos quase servis. Quando chegamos lá, se você não conhece bem o idioma ou os costumes do país, eles simplesmente nos viram as costas."

Para Dias, os brasileiros não podem continuar sem proteção. "O governo precisa estar mais atento para defender os cidadãos, onde quer que eles estejam."

segunda-feira, março 03, 2008

Ambev pagará R$ 100 mil a degustador de cerveja que sofria de alcoolismo

Um empregado da Ambev (Companhia de Bebidas das Américas) que exerceu a função de degustador de cerveja durante 15 anos receberá R$ 100 mil de indenização. A 6ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) manteve a condenação que considerou haver responsabilidade da companhia pelos danos causados à saúde do trabalhador, pois a empresa, quando o designou para essa atividade, sabia da sua predisposição familiar à síndrome de dependência do álcool, da qual já era portador.

Segundo informações do tribunal, o funcionário gaúcho trabalhou na Ambev no período de dezembro de 1976 a outubro de 1998, quando foi aposentado. Ele ajuizou ação de reparação de perdas e danos por ter sido exposto à ingestão de 1.500 ml de cerveja diariamente, segundo prova testemunhal. No pedido, o empregador alegou ser impossível a reversão de seu estado de saúde, pois é hoje portador, além da à síndrome de dependência do álcool, de cirrose hepática e diabetes, e necessita de tratamento imediato e permanente.

Em sua argumentação, ele afirmou ainda que a ingestão diária de cerveja imposta pelo trabalho agravou ou manteve em ascendência a sua dependência etílica, impedindo que deixasse o vício.

Para o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 4ª Região (Rio Grande do Sul), que condenou a empresa à indenização, confirmada agora no TST, se o autor já era portador da síndrome antes de exercer a função de degustador, jamais deveria ser atribuída a ele tal atividade. Ao selecionar pessoas para a degustação de bebida alcoólica, deveria considerar como fator de exclusão a preexistência de dependência etílica.

Segundo o laudo pericial realizado para verificar as condições de trabalho, a empresa não fiscalizava a quantidade de cerveja ingerida pelo empregado nem adotava medidas de prevenção e tratamento do alcoolismo, mostrando-se negligente com a saúde do trabalhador. O empregado recebia uma garrafa de cortesia todos os dias ao final do expediente, em virtude de acordo entre a fábrica e o sindicato.

Os médicos informaram, ainda, que o trabalhador possuía predisposição familiar ao alcoolismo e já era portador da síndrome de dependência do álcool quando passou a fazer a degustação de cerveja, e que houve evolução da doença durante o período em que realizou a atividade, nos últimos 15 anos do contrato. Relatam que a dependência se tornou mais grave cinco anos depois do autor ter iniciado a exercer a função de degustador, evidenciando-se por sintomas de irritabilidade, tremores nas mãos, taquicardia e persistência de igual consumo de bebidas alcoólicas durante as férias.

Ao confirmar a condenação, o relator do processo no TST, ministro Horácio de Senna Pires, observou ter sido comprovado o nexo de causalidade entre o trabalho e a doença, que permite a responsabilização da empresa pelos danos daí decorrentes.